Mais um ano de nossas bolsistas sem licença-maternidade integral.
Somos
mais de 2000 médicas atuando nos locais de difícil provimento
profissional do país. O gênero feminino representa 58% dos Médicos de Família e Comunidade. Levamos acesso a saúde como preconiza a especialidade: com integralidade.
E não existe
integralidade sem cuidar da maternidade. Não há saúde da família sem
pré-natal, sem caminhar junto das gestantes nessa etapa fantástica que
transforma o corpo e a vida. Estamos junto dessas mulheres, em que
muitas são chefes de família realizando dupla ou até tripla jornada,
para acompanhar cada etapa dessas mudanças.
Durante as consultas é
abordado cuidados com a pele, alimentação equilibrada, o que fazer para
diminuir enjoos, atualização vacinal, expectativas sobre a amamentação,
planejamento familiar, e aquele momento gostoso de escutar o
coraçãozinho do bebê. Também é quando mais falamos em direitos
trabalhistas. Conversamos sobre a licença-maternidade e amamentação, nos
comunicamos com empregadores quando é necessário readequar a função
exercida pela gestante, citamos o direito de voltar para onde estavam ao
final da licença.
Até os anos 70, mesmo com o financiamento pelo INSS da
licença-maternidade, as mulheres ainda eram dispensadas dos seus postos
de trabalho. Somente com manifestações sindicais intensas, reivindicando
estabilidade, houve mudança para aquelas com carteira de trabalho
assinada.
Médicas atuando na medicina de Família e Comunidade sem
vínculo celetista tem em comum com suas pacientes atuando de forma
autônoma a perda de direitos no período gestacional. É o que mostra a
matéria especial da Rádio Câmara Especial Licença-maternidade,
destacando que mulheres em cargos executivos, de nível superior, de
chefia, autônomas, ou que são responsáveis pelo sustento da família, não
deixam seus postos durante suas gestações, pelo receio de serem
dispensadas.
Isso significa deixar desassistido e confiando a
terceiros por boa parte do dia os cuidados de um ser totalmente
dependente da mãe em seus primeiros meses, caso contrário, o desfalque
nos rendimentos causará endividamentos e dilapidação de patrimônio. Não é
uma escolha, as contas não esperam o bebê crescer.
A
licença-maternidade integral representa equidade entre gêneros, na
medida em que homens cisgênero jamais terão seus salários reduzidos
durante a vida por estarem gestando.
O Novo Mais Médicos
avançou na questão e garantiu o direito a licença-maternidade com
recebimento integral da bolsa. As médicas tutoras também têm esse
direito. Mas as bolsistas do Programa Médicos Pelo Brasil se sentem
novamente rejeitadas pelo Ministério da Saúde no assunto. Desde 2022,
lutamos pela isonomia no tratamento das bolsistas gestantes dos dois
programas, pois a licença-maternidade das bolsistas do Programa Médicos
Pelo Brasil limita-se ao teto do INSS, mesmo sendo categorias que
exercem a mesma função para o mesmo empregador.
Ironicamente, o
nosso patrão é o Ministério da Saúde. O mesmo que reforça a importância
dos cuidados pré-natais não está cuidando destas mulheres.
Como
mulheres, nos traz felicidades ver representatividade em funções de
alto escalão. Nesta data, há 175 anos, Elizabeth
Blackwell se torna a primeira mulher do mundo a se formar médica, também
precursora do ensino médico baseado em evidências e tendo contato com
os pacientes durante a formação. Sua irmã Emilly Blackwell, que ilustra a
coluna, se tornaria a terceira mulher médica no mundo, 05 anos depois. Nos traz admiração o exemplo da ex-presidente interina da
AgSUS com histórico de militância nos movimentos sociais de Brasília,
Vera Lúcia, ascender ao STF. Nísia Trindade representa a força feminina
no comando do Ministério da Saúde.
Mas a categoria de base não
pode ser esquecida. A representatividade deve ir para além do simbolismo
e se tornar multiplicadora de ações por equidade. Recebemos diversas
palavras de apoio na AgSUS e temos ciência de que a agência pensa com
carinho sobre a reivindicação, mas estamos em fevereiro e a reunião do
seu Conselho Deliberativo para a tramitação da pauta ainda não
aconteceu.
Junto do pedido por licença-maternidade integral -
como no Novo Mais Médicos, somos inspiradas nos movimentos sindicais da
década de 70 ao pedirmos estabilidade em nossas UBS, além de medidas
institucionais de combate ao assédio moral contra gestantes e proteção
às mulheres vitimas de agressões físicas, verbais, morais ou sexuais no
trabalho. Não é incomum termos relatos de colegas gestantes que não
tinham local para trabalhar ao retornarem de suas licenças-maternidade
ou que sofrem assédio moral para pressioná-las a desistir do programa. A
resposta costumeiramente vem em forma de desconto ou suspensão do
salário destas bolsistas, ao invés de reintegração na força de trabalho
com punição aos assediadores.
As cadeiras do Conselho
Deliberativo da AgSUS são, em sua maioria, do Ministério da Saúde. Por
que ele não olha para nós com o mesmo carinho que enxerga nosso dito
programa-irmão? Como é possível uma instituição que está ignorando o
clamor de suas funcionárias por dignidade e isonomia fale depois sobre
representatividade feminina?
Nesta data tão simbólica, solicitamos aqui, publicamente:
- reunião imediata do Conselho Deliberativo da AgSUS para deliberar sobre a licença-maternidade integral para médicas bolsistas
- deliberação de medidas de proteção ao retorno das bolsistas puérperas para o trabalho.
- apoio das demais entidades envolvidas no Conselho Deliberativo.
Nenhum direito vem sem luta.
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